ARTIGOS

 

 

Reflexões sobre o lugar do psicólogo no plantão geral*

Helena Pinheiro Jucá-Vasconcelos** ; Cidiane Vaz***

 

 


Introdução

A entrada da psicologia no Plantão Geral (PG)1 se deu no início da própria residência em Psicologia Clínico-Institucional no Hospital Universitário Pedro Ernesto em 1994.  Inicialmente os plantões da Psicologia eram aos sábados, o que não propiciava a integração entre as equipes de psicologia e medicina, e, conseqüentemente, dificultava o trabalho multidisciplinar. Após uma crítica da equipe de psicologia ao trabalho efetuado, foi proposta uma mudança nos moldes do trabalho da psicologia no Plantão Geral. (Palmeira e Jucá-Vasconcelos, 2008). Nessa época foi constatado que a prática não atendia aos anseios, tanto da psicologia, quanto da equipe médica que não tinha conhecimento de qual era a contribuição possível da psicologia no Plantão Geral (Americano et all, 2007).

Assim, em 2006, se iniciou uma reorganização das atividades dos residentes de psicologia no Plantão Geral para favorecer uma melhor integração, e, conseqüentemente, um melhor aprendizado (Palmeira e Jucá-Vasconcelos 2008). Passou-se a ter uma dupla de psicólogas a cada dia da semana, beneficiando a inserção da psicologia na equipe (Americano et all, 2007).

Estamos em um setor em que as demandas se dirigem aos cuidados médicos. O plantão geral é chamado quando o usuário do hospital se encontra com problemas, que a princípio são orgânicos. Os profissionais que estão em contato direto com o paciente (equipe médica ou de enfermagem) podem encaminhar os mesmos à equipe de psicologia quando encontram hipóteses diagnósticas de problemas subjetivos. O paciente está livre em aceitar, ou não, o acolhimento psicológico.

Problemática

Após um período de novos moldes de trabalho, observamos que muitas críticas e dúvidas quanto ao encaminhamento e às demandas ainda estão presentes, tanto na equipe de residentes da psicologia quanto na equipe médica. Na tentativa de esclarecer essas dúvidas nos deparamos com uma questão fundamental, a saber: qual é o lugar do psicólogo no Plantão Geral?

Objetivos

Tendo como objetivo trazer contribuições a essa problemática, pretendemos nesse trabalho averiguar os avanços da participação da Psicologia no Plantão Geral, bem como, refletir sobre a atuação dos residentes nesse serviço.

Metodologia

A fim de alcançarmos os objetivos, analisamos as demandas de atendimento feitas à psicologia do Plantão Geral, que foram registradas em um livro, que é destinado a esse fim, abrangendo o período de um ano. A partir desses dados foi feita a análise estatística das características dos atendimentos, que se mostrou propícia para levantar discussões acerca de qual tem sido o papel do psicólogo no Plantão Geral. Para isso focamos em averiguar quem faz o chamado para o atendimento psicológico, e quais são as crenças da necessidade de tal atendimento pelo profissional, tanto no acolhimento a pacientes quanto aos familiares. Relatamos também alguns momentos de intervenção de forma qualitativa para melhor exemplificar o que foi observado.

Resultados

Foram criadas três categorias a partir dos dados colhidos: quem encaminha os pacientes à psicologia; quais são as demandas no caso dos pacientes e de seus familiares, e os motivos para os encaminhamentos à psicologia. A análise estatística dos dados nos forneceu as seguintes informações:

Observamos que os chamados para a atuação da equipe de psicologia no plantão geral se deram pelos profissionais a seguir: residente do plantão geral (29,6%); chefe do plantão (12,9%); psicologia do plantão (11,1%); enfermarias (10%); interno do plantão (4,6%); residente de psicologia (1,8%); paciente (1%) e psiquiatria (1%). Em 28% das anotações não foram especificados os profissionais que encaminharam os atendimentos.

As demandas de atendimento aos pacientes se deram pelos motivos a seguir: doenças graves e crônicas2 (17,5%); câncer avançado (11%); queixa sem causa orgânica (11%); revolta por decisões médicas (12%); ansiedade (9%); tristeza (9%); impossibilidade de atendimento (7,5%); intercorrências3 (5,5%); choro (2%); não aceitação da doença4 (2%); desespero pela internação (1%); tentativa de suicídio (1%) e ideação suicida (1%). Em 3,3% não foram identificados os motivos.

Os motivos apontados para o encaminhamento de familiares apontaram em primeiro lugar para doenças graves (52,3%) e em segundo lugar por óbito do familiar (29,5%). Verificamos que em 18,2% dos pedidos se deram por diversos motivos relacionados ao “nervoso” dos familiares, tais como, desespero frente às complicações no caso clínico do parente, choro, desmaios ou crises.

Discussão dos resultados

O maior número de solicitações veio dos residentes médicos. A maior abertura por parte dessa categoria pode ser atribuída ao fato deles participarem da orientação pedagógica dada pelo Centro de Desenvolvimento Acadêmico do HUPE, que através de palestras informam sobre o trabalho da psicologia. O fato de estarem no mesmo nível e idade que as residentes de psicologia pode ter favorecido uma maior identificação, contato e amizade entre as equipes, outra razão para a proximidade seria por já serem conhecidos de outros setores.

Os chefes de plantão são responsáveis por 12,9% dos chamados. Será que o fato se deve pela falta de conhecimento dos mesmos do trabalho da psicologia, ou se refere à postura desses profissionais frente ao nosso trabalho? Uma outra possibilidade pode ser o volume de trabalho destes profissionais, responsáveis por supervisionar um grande número de residentes e internos, o que pode beneficiar uma abordagem mais objetiva frente aos atendimentos clínicos.

Em terceiro lugar, encontramos a própria equipe de residência de psicologia que ofertou atendimento aos pacientes do plantão geral. Nesse caso houve o oferecimento de atendimento a partir do que foi observado ou escutado pela equipe.

No hospital há inúmeras enfermarias, algumas delas já tiveram a atuação da equipe de psicologia do Plantão Geral, entretanto apenas 10% dos chamados foram feitos pelas mesmas. Levantamos a hipótese que existe um desconhecimento por parte das equipes das enfermarias do serviço prestado pela equipe de psicologia no Plantão Geral, por conta do número de chamados.

Um outro fato que nos chamou atenção foi que em um ano de trabalho houve poucos encaminhamentos de pacientes pela equipe de residência de psiquiatria. Questionamos-nos se não houve necessidade ou se encaminharam para outra equipe da psicologia que não a do plantão geral.

Intrigou-nos não encontrarmos chamados da enfermagem do plantão e da Psicologia Médica5. No primeiro caso, provavelmente, se deve por conta do setor ter apenas um profissional que se desdobra para atender os pacientes. Já no segundo caso, apresentamos a hipótese de que isso pode ter relação com o pouco relacionamento entre essa equipe e a residência de psicologia.

A alta rotatividade dos internos de medicina (alunos de graduação) pode ter ocasionado um menor conhecimento do trabalho da psicologia, e, conseqüentemente, uma demanda menor por parte dessa categoria.

Acreditamos que uma divulgação melhor do serviço de psicologia possibilita que o próprio paciente solicite atendimento psicológico ao Plantão Geral, a exemplo do caso de uma paciente que ao saber da existência desse serviço solicitou-o. Percebemos também que com a divulgação e com o entrosamento entre as equipes, aumenta o número de chamados.

O grande número de atendimentos que não foram especificados nos chamou atenção. Cabe ressaltar a importância da equipe de residentes de psicologia em anotar detalhes relevantes do atendimento. Esses dados ajudam na pesquisa e na avaliação do trabalho, assim como na construção de estratégias que melhorem a integração com os demais profissionais, favorecendo uma maior demanda.

Conforme os dados apresentados anteriormente, somos chamados a intervir em diversas situações, sendo as mais comuns nos casos de doenças graves e crônicas de pacientes (17,5%) e óbitos (29,5%). Nos casos de óbito, somos chamados a atender os familiares e os acompanhantes, mas dúvidas são freqüentes sobre como a psicologia e a medicina podem trabalhar nesses momentos. Na tentativa de exemplificar essa falta de clareza, faz-se oportuno relatar um episódio que ocorreu com uma interna de medicina. Esta nos procurou no plantão e relatou que mais cedo havia falecido uma jovem, cuja mãe ao saber do ocorrido ficou muito nervosa, chorando muito e bastante aflita. Diante da situação, a interna afirmou: “eu fiz o papel do psicólogo", declaração que nos chamou a atenção. Quando questionada como ela o fez, explicou que tentou acalmar a mãe da jovem lhe dando a mão.

Percebemos por esse exemplo quanto a nossa função no plantão geral está identificada ao dar a mão e consolar alguém que se encontra em desespero. Mas que mão podemos oferecer? De que mão se trata? A mão concreta ou a simbólica, que segura o paciente e o profissional, lhe dando algum acolhimento frente à angústia? Sobre a mão concreta, trata-se de uma questão de humanidade que pode ser desempenhada por qualquer profissional.

O papel do psicólogo é apontado, muitas vezes, por outros profissionais como estando ligado ao afetivo: aqueles que vão entender as dificuldades, que vão consolar na hora da morte, que não vão se desesperar frente aos problemas. Há o imaginário que não somos afetados pelas crises ou que temos as respostas. No entanto, Machado (2002:112) coloca que a psicologia tem como objetivo ouvir do sujeito “as questões pessoais, familiares, angústias, medos, em qualquer dificuldade que possam estar vivenciando e que esteja causando qualquer mal-estar: emocional, social, entre outros”.

Os encaminhamentos aos acompanhantes de pacientes com doenças graves e crônicas se devem principalmente ao estado, em sua maioria, terminal em que se encontram. São os chamados pacientes Fora de Possibilidades Terapêuticas (FPT) que fazem com que a equipe tenha a preocupação em preparar a família para o óbito iminente. Estando esses pacientes nessa condição, os médicos acreditam que "não há mais nada a se fazer", restando apenas preparar a família.

Apontamos também para os efeitos que a morte de um paciente pode suscitar no próprio médico, como as evidências da finitude e da falta (castração) inerente ao ser humano. Freud no texto “Reflexões para os tempos de guerra e morte” (1915) afirmou que não possuímos no inconsciente o registro da própria morte, só tendo acesso a essa representação a partir da visão da morte de outros, nos lembrando de nossa mortalidade, fato que gera muita angústia. Essa situação pode ser ilustrada com a culpa que uma médica relatou ter sentido ao prometer a um paciente que ele não faleceria naquela noite, promessa que não pôde ser cumprida.

Somos muito solicitados quando há uma certa agitação por parte dos pacientes e seus familiares. Os choros, gritos e desmaios são situações freqüentes às complicações clínicas ou no momento da internação, momento de angústia para o paciente e normalmente causadoras de incômodo nos profissionais. Somos chamados a intervir com “palavras mágicas” (sic) que possam produzir algum efeito, nessas situações onde o desespero parece, mais uma vez, se generalizar.

Considerações finais

Após um ano de novos moldes de trabalho, temos percebido avanços. Principalmente pela impressão de maior integração entre as equipes, o que não acontecia anteriormente. 

Entretanto ainda encontramos dificuldades no trabalho, como estabelecer para toda equipe, inclusive a nós mesmas, qual é a nossa especificidade no plantão, para que servimos e o que nos cabe diante da urgência subjetiva que vai além das barreiras do orgânico e do racional (Angerami-Camon, 2000). Isto porque, não há precisão, nem previsão em nosso trabalho, não há determinação a priori. O trabalho é multifuncional, no sentido que as demandas surgem e o psicólogo determina se a demanda procede ou não. Delimitar o trabalho, apesar de aliviar a angústia e “facilitar”, pode criar uma norma limitadora. A flexibilidade faz parte do trabalho do psicólogo, no entanto, a lógica científica médica nem sempre segue esse rumo, podendo atrapalhar o entendimento do nosso trabalho, uma vez que os médicos executam um protocolo objetivo de atendimentos.

Mas ainda nos cabe a pergunta: O que fazer frente aos encaminhamentos e às demandas? Machado (2002) fala sobre a importância de se escutar o paciente na sua singularidade, não levando em conta somente o encaminhamento por parte do profissional, que faz uma hipótese diagnóstica, mas não relata a história singular do sujeito.

Ao interrogarmos as demandas, temos tido boas surpresas. Em várias ocasiões, os pedidos de atendimento por quadros de tristeza (“as depressões”) e ansiedade, nos levam à verificações bem diferentes, apontando à crítica de Siqueira e Fonseca (2002) sobre o hábito de se medicar qualquer sintoma sem a compreensão do mesmo. É o caso de um pedido de atendimento a um paciente; idoso, com câncer no pulmão, cuja suspeita era um caso de depressão. Durante o atendimento verificou-se não haver um quadro patológico de depressão, mas uma debilitação e tristeza por conta do seu estado físico. O paciente queixou-se de estar muito preocupado porque não sabia o que tinha, qual era a sua doença ou seu diagnóstico. Ao questionar o médico sobre a comunicação do diagnóstico ao paciente, ele afirmou que se trata de uma prática corriqueira em casos muito graves como esse. É comum em um caso terminal, não comunicar o verdadeiro estado de saúde ao paciente e a sua família (sic). Segundo ele, tal conduta pouparia a família, assim como o paciente das angústias desse diagnóstico. Levando-nos ao que Oliveira (1995 apud Machado, 2002) aborda sobre a importância de acolher o sujeito o recebendo satisfatoriamente, estando disponível para escutá-lo valorizando as particularidades da situação colocada por ele. Para então fazer com que através da fala, surjam angústias e demandas que falem de si (Machado, 2002).

Conforme podemos ver à medida que nossa prática se desenvolve, a exposição continuada à morte é uma situação difícil e que mobiliza a todos, tendo o psicólogo um papel importante dentro de uma instituição hospitalar para dar suporte, ainda que de forma interrogada, frente a essas situações e a todas as outras que não podemos predizer.

 

Referências bibliográficas 

AMERICANO, Bruna Paranhos; IATAURO, Cristiane Bueno, BATISTA, Fernanda Quintino; JUCÁ-VASCONCELOS, Helena Pinheiro; ALBERTI, Sônia e DONATI, Taís. A Psicologia no Plantão Geral. Pôster apresentado no 45º. Congresso Científico no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, agosto de 2007.

ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto (org). Psicologia da Saúde: um novo significado para a prática clínica. São Paulo: Pioneira, 2000.

FREUD, Sigmund (1915), Reflexões para os tempos de guerra e morte. Vol XIV. Editora Imago, Rio de Janeiro, 2006.

MACHADO, Ana Beatriz Szymanski. Encaminhamentos e Demandas. Práxis e Formação: as várias modalidades de intervenção do psicólogo: anais do IV Fórum da Residência em Psicologia Clínico-Institucional, Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Psicologia, 2002.

PALMEIRA, Clarice e JUCÁ-VASCONCELOS, Helena Pinheiro. A Psicologia no Plantão Geral: uma parceria em prol da integralidade. Práxis e Formação: as várias modalidades de intervenção do psicólogo: anais do XI Fórum da Residência em Psicologia Clínico-Institucional, Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Psicologia, 2008.

SIQUEIRA, Érica de Sá Earp e FONSECA, Vanessa Antunes. A inserção da Equipe de Psicologia do NAI na Enfermaria. Práxis e Formação: as várias modalidades de intervenção do psicólogo: anais do IV Fórum da Residência em Psicologia Clínico-Institucional, - Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Psicologia, 2002.

 

 

Notas 

* Trabalho desenvolvido no setor Plantão Geral do Hospital Universitário Pedro Ernesto sob supervisão de Sônia Alberti e de Maria Luisa Bustamante.

** Psicóloga, residente (2007-2009) de Psicologia Clínico-Institucional do IP/HUPE-UERJ

*** Psicóloga, residente (2008-2010) de Psicologia Clínico-Institucional do IP/HUPE-UERJ

1 Na verdade o plantão está previsto como atividade de todos o programas de residência do HUPE

2 Denominamos doenças graves os casos de Câncer em estado avançado ou terminal, doenças que tenham curso crônico e HIV.

3 Desmaios e crises

4Utilizamos para enunciar as categorias as palavras dos próprios profissionais solicitantes dos atendimentos psicológicos.

5 Estudantes do curso de Especialização em Psicologia Médica do hospital.