ARTIGOS

 

 

Psicologia no Plantão Geral: uma parceria em prol da integralidade*

Clarice Gomes Palmeira**; Helena Pinheiro Jucá-Vasconcelos***

 

 


Os atendimentos no Plantão Geral giram em torno da urgência, que aqui tomamos como significante do que sai do controle, o inesperado. O inesperado se refere não somente às queixas clínicas com as quais o Plantão é confrontado, como também ao que muitas vezes escapa ao saber médico, no cotidiano de sua prática. Com efeito, apesar da existência de protocolos para os procedimentos médicos, que em tese deveriam dar maior segurança para os profissionais em formação, há sempre algo que escapa ao seu saber, especialmente em momentos críticos, como os que podem ser vivenciados neste setor.

No HUPE (Hospital Universitário Pedro Ernesto), o atendimento é prestado quase que exclusivamente por estudantes e recém formados em Medicina, sempre supervisionados pelo chefe do setor. Estes, em sua maioria, contam com uma formação predominantemente biológica, que em vários momentos se evidencia insuficiente no que diz respeito à complexidade do processo saúde-doença.

Esses recém-formados se vêem numa atuação que exige, quase sempre, uma maior rapidez, sendo que as demandas podem surgir de um momento para o outro. Observamos que a equipe médica do Plantão Geral, diferente das outras equipes do hospital, parece trabalhar num outro “tempo”, sem dúvida mais veloz. Isto exige também maior agilidade de resposta das residentes de Psicologia, o que sem dúvida coloca algumas dificuldades.

Martins (1998) aponta que o ensino de Medicina fragmenta o ser humano em áreas de estudo, tanto ao se estudar conhecimentos básicos, quanto nos conhecimentos clínicos e terapêuticos. O autor ressalta a importância da superação dessa fragmentação inerente à formação médica, para que haja uma maior integração.

Nesse contexto, há a entrada da Psicologia no Plantão Geral do Hospital Universitário Pedro Ernesto, propiciando aos graduandos e especializandos de Medicina uma visão mais ampliada do sujeito que adoece.

 

1. Um breve histórico da residência de Psicologia no Plantão Geral do HUPE

A residência de Psicologia está inserida no Plantão Geral do HUPE desde a sua criação, em 1994. Os plantões da Psicologia funcionavam aos sábados, contando com uma dupla de residentes que se colocava disponível aos chamados da equipe. A dinâmica do trabalho não envolvia a permanência na sala de Plantão, sendo que costumávamos atender nas enfermarias onde estávamos inseridos, conforme os setores em que atuávamos. Assim, de maneira paradoxal, fazíamos parte da equipe do Plantão, porém nos mantínhamos fora desta equipe, que nem sempre tomava conhecimento de nossa existência. Os chamados eram muito raros e quando aconteciam, via contato telefônico da equipe médica conosco, não havia uma reflexão conjunta sobre os casos. Medicina e Psicologia realizavam seus atendimentos de maneira desintegrada, cada um isolado na sua especialidade, com pouca ou nenhuma interlocução.

Em 2006, a equipe de residentes verificou a necessidade de propor uma revisão do trabalho que vinha desempenhando. Foram realizadas, então, inúmeras reuniões entre os residentes, a Coordenação da Residência e a Coordenadoria de Desenvolvimento Acadêmico (CDA) do HUPE, buscando uma reorganização do trabalho neste setor, a fim de realizar um trabalho mais integrado com os outros membros da equipe de Plantão. Além disso, estas reuniões tiveram como objetivo um maior aproveitamento, em termos acadêmicos, do curso de Residência, uma vez que este consiste num treinamento em serviço. Sendo o Plantão Geral um setor da Residência de Psicologia, era urgente uma revisão no sentido de garantir o aprendizado durante a residência.

A seguir, pretendemos tematizar o conceito de integralidade, pensando como a nossa prática no Plantão pode se constituir como um exemplo de sua aplicação.

 

2. O conceito de integralidade e sua relação com a atuação da Psicologia no Plantão Geral

Com o avanço das ciências da saúde, foram criadas novas especialidades e sub-especialidades, o que acabou induzindo a uma compreensão fragmentada do corpo humano, reduzindo-o a um conjunto de órgãos e sistemas. Esta concepção trouxe uma visão dicotomizada da pessoa enferma, que passou a ser vista pelo nome de sua doença ou problema de saúde. Pensando em atenuar tal problema, alguns estudiosos começaram a propor as atuações interdisciplinares, na expectativa de que, somando os saberes de diferentes especialidades, seria possível compreender o enfermo integralmente (Santos e Sebastiani, 2003).

A integralidade é um dos conceitos-chave em saúde, na atualidade. Poderíamos pensar que todo o trabalho de reflexão sobre nossa atuação no plantão que realizamos no decorrer de 2006 foi desenvolvido visando, justamente, a aplicação efetiva deste conceito. O mesmo ainda se encontra muito distante de ser aplicado em todo o Sistema de Saúde, apesar de estar presente em nossa legislação desde a Constituição de 1988, conforme dispõe o artigo 198, inciso II:

“Art.198 – As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

(...)

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” (Brasil, p.20).

Com a Lei 8080 (LOS – Lei Orgânica do SUS), de 1990, a integralidade se consolida como princípio e diretriz do SUS (Sistema Único de Saúde). É na LOS (Art.7º, inciso II) que encontramos uma definição um pouco mais precisa do conceito de integralidade:

“integralidade da assistência, como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (Brasil, p.25).

No entanto, no entender de Moraes (2006), ainda não existe consenso quanto a esta conceituação. A autora, apoiada nas contribuições de Mattos (2001) apresenta diferentes eixos da questão. Ela esclarece que a concepção de integralidade pode estar ligada tanto à organização dos serviços, como ao atendimento integral às necessidades do sujeito, no que diz respeito não apenas à assistência imediata, mas também preventiva.

Acreditamos que nossa atuação no Plantão Geral pode ser situada nesta perspectiva, uma vez que se trata de uma experiência que visa a parceria entre profissionais que atuam segundo posicionamentos diferentes.

O HUPE não possui serviço de emergência; no entanto, urgências dentro do hospital relativas aos pacientes, familiares e funcionários podem acontecer. Quando isto ocorre, os mesmos são encaminhados ao Plantão Geral. O plantonista médico é quem recebe primeiramente esta pessoa, que após uma avaliação médica (de ordem eminentemente física), propõe uma intervenção. Contudo, existem situações em que os plantonistas percebem uma influência mais destacada de aspectos psicológicos. Nessas situações, efetuam-se trocas entre a Medicina e a Psicologia, que avaliam juntas o caso. A partir desta avaliação, define-se a necessidade ou não de um atendimento pela Psicologia.

Em outros momentos, através dos relato dos plantonistas médicos ou a partir de sua própria observação, a equipe de Psicologia também pode avaliar uma possível demanda de atendimento.

A fim de demonstrar com exemplos práticos, como se dá a contribuição da Psicologia no Plantão Geral, iremos apresentar a seguir algumas situações vivenciadas nos últimos meses. As três situações põem em relevo as parcerias importantes que temos efetuado, em três níveis: entre Medicina e Psicologia, entre Psicologia e Psiquiatria e entre as residentes de Psicologia.

 

3. Exemplos de situações práticas vivenciadas no Plantão Geral

3.1 – A parceria entre a Medicina e a Psicologia

O chefe de plantão nos solicitou (no horário noturno) o atendimento do paciente Cláudio1, 56 anos, internado com o diagnóstico de câncer, em estágio terminal, sob a sigla médica FPT – Fora de Possibilidades Terapêuticas. A demanda surgiu pois a equipe estava na expectativa de que o paciente viesse a falecer, naquela mesma noite. Cláudio estava sendo acompanhado na enfermaria por sua esposa, que segundo a equipe encontrava-se muito abalada, necessitando de suporte emocional.

Encontramos o paciente em estado de emagrecimento profundo; de olhos abertos, arregalados, porém sem interação com o meio. Não respondia às solicitações verbais; no entanto, sua esposa Maria falava com ele, buscando confortá-lo.

Maria mostrou-se muito aberta à abordagem da Psicologia, parecendo muito triste, diante daquela situação tão crítica, porém aparentando alguma tranqüilidade. Parecia, apesar de toda sua dor, poder lidar com o que se passava, referindo encontrar muito apoio na religião.

Aparentava estar ali na posição de expectadora da “passagem” para outra dimensão, de alguém muito especial para ela. Nosso papel foi o de auxiliá-la, no sentido de proporcionar-lhe espaço para que pudesse historicizar algo de sua trajetória ao lado daquele que era seu marido nos últimos 18 anos.

Maria pôde então contar como tiveram um casamento feliz, começando seu relato pelo dia em que se conheceram. Desde este dia, segundo ela, ambos tiveram certeza de que ficariam juntos “até a morte”. Falou sobre a filha que tiveram, atualmente com 12 anos. Esta, com o adoecimento do pai começou a ter problemas no colégio, solicitando uma maior atenção de Maria. Dizia sentir-se sobrecarregada, tendo que dar conta de tudo – da casa, das contas, da filha, do próprio trabalho – desde que o marido adoeceu. Contou como ele era: um homem calmo, tranqüilo, bom marido e bom pai. Assinalava claramente o quanto se tratava de uma perda extremamente dolorosa, na medida em que era alguém muito amado.

Naquela mesma noite, Cláudio veio a falecer. Foi indicada a possibilidade de encaminhamento de seus familiares, para acompanhamento psicológico, caso viessem a desejar.

Notamos a dificuldade da equipe do Plantão para lidar com esse tipo de situação, uma vez que seu treinamento se encontra muito voltado para os procedimentos técnicos a serem realizados. Especialmente nos casos dos chamados pacientes “FPT”, os médicos relatam, muitas vezes, que “não têm o que fazer”. Talvez devido à sua própria angústia, diante destas situações, ignoram a dimensão subjetiva envolvida no trabalho de luto, que os familiares deverão realizar.

Para a Psicologia, há muito a ser feito, uma vez que não se trata apenas de uma situação de emergência médica, mas também de emergência subjetiva. Como exemplo, neste caso Maria necessitava rever sua história, para se preparar diante da emergência que teria que elaborar: o luto pelo seu marido. A intervenção da Psicologia, portanto, poderia ser pensada não só no sentido da assistência prestada num momento pontual (de dor e algumas vezes, de muito desespero), mas também num sentido preventivo. Algo do aspecto traumático, envolvido na perda de um familiar muito querido, pode ser trabalhado assim que esta ocorre – o que pode ter efeitos importantes no futuro, na maneira como aquele familiar irá realizar o trabalho de luto. Desta maneira, parece-nos fundamental que a Psicologia esteja presente e disponível nestas situações de urgência subjetiva2.

3.2 – A parceria entre a Psicologia e a Psiquiatria.

Também fazem parte da equipe do Plantão Geral os chamados residentes “setorizados”. Estes residentes não permanecem na sala de Plantão, mas em suas clínicas, como é o caso da Nefrologia, Radiologia e Psiquiatria, dentre outras especialidades médicas. Tais residentes colocam-se à disposição, para eventuais chamados da equipe do Plantão Geral.

Numa das idas do residente de Psiquiatria à sala de Plantão, a residente de Psicologia se apresentou e ali começou a se esboçar uma possível parceria entre eles. No entender do residente de Psiquiatria, muitos chamados não necessariamente deveriam ser atendidos pela Psiquiatria, como alguns casos que ao contrário de uma medicação, demandam uma escuta do sujeito.

Após alguns dias, o residente de Psiquiatria retornou à sala, encontrando a residente de Psicologia, com quem já tinha feito algumas trocas interdisciplinares. Trouxe então o caso da paciente Mônica, de 31 anos, internada por conta de desnutrição grave, num quadro de anorexia, associado a uma depressão profunda. Relatou que ela seria avaliada pela Psiquiatria, no dia seguinte. O residente solicitou o atendimento da Psicologia, buscando assim uma compreensão ampliada do caso. O pedido do residente envolvia, ainda, a necessidade da oferecer suporte psicológico à mãe da paciente, que a estava acompanhando durante a internação.

A paciente estava catatônica, completamente imóvel, com olhar fixo num ponto, sem qualquer interação com o meio externo. Respeitamos seu silêncio, não insistindo de maneira nenhuma para que falasse (ao contrário da mãe que a todo momento pedia, extremamente aflita: “fala alguma coisa, minha filha”). No atendimento com a mãe, esta trouxe aspectos da história de vida da filha, que há cerca de um ano havia parado de se alimentar. Mônica passou a recusar a alimentação justamente quando a mãe teve que se ausentar de casa, no momento em que sua avó adoeceu e a mãe teve que ir morar com esta. Apesar de ela mesma já ser mãe (tendo um filho de 12 anos), Mônica ainda morava com a mãe, mantendo com esta uma relação de extrema interdependência, que pôde ser bem observada durante a internação. Este fato despertou reações negativas na equipe da enfermaria, que se via impedida de realizar seus procedimentos, já que a paciente só permitia que a mãe se ocupasse dos mesmos.

O acompanhamento já dura cerca de 2 meses, e desde então a paciente vem obtendo progressos significativos. Voltou a se alimentar, a falar e vem construindo um vínculo transferencial bastante sólido tanto com o residente de Psiquiatria, como com a residente de Psicologia, com a qual vem trabalhando ativamente algumas questões. A parceria entre estes dois profissionais tem possibilitado que a paciente seja vista enquanto um sujeito, marcado por uma história singular. A atuação da Psicologia faz incidir, no trabalho em equipe, a dimensão subjetiva envolvida em cada caso, apontando para “(...) o lugar do sujeito frente às ameaças, ao sofrimento e à dor do adoecimento” (Ferreira,1998, p.11).

3.3 – A parceria entre as residentes de Psicologia.

Uma mudança fundamental, ocorrida este ano, é que agora também os residentes de Psicologia podem firmar efetivamente uma parceria, entre eles. Se, antes, uma dupla de residentes fazia o seu plantão no mesmo dia, porém atuando em enfermarias diferentes, hoje esta dupla permanece junta na sala de Plantão.  Isso possibilita que efetuem trocas, entre si, sobre os atendimentos realizados, colocando suas dúvidas, apoiando-se nos momentos mais críticos e decidindo de maneira conjunta algumas intervenções. Cada dupla de residentes é constituída por um R1 (residente do primeiro ano) e um R2 (residente do segundo ano).

Uma residente médica nos solicitou atendimento para o paciente Roberto, de 35 anos, internado na Enfermaria de DIP (Doenças Infecto-Parasitárias). Segundo o relato da residente médica, o paciente estava internado no setor de “Isolamento” da DIP, devido ao fato de estar imunodeprimido. No Isolamento, de acordo com as regras institucionais, não é permitido que o paciente tenha acompanhante. Profissionais e visitantes só podem entrar neste recinto portando uma máscara especial, conhecida no hospital como “bico de pato”. Todas estas medidas são adotadas visando à proteção da saúde do paciente, dos funcionários e dos familiares, para evitar contaminação.

Roberto estaria muito “nervoso”, dizendo que não suportaria passar a noite sem acompanhante. Ele veio ao hospital em companhia da irmã, que estava preparada para passar a noite cuidando dele. A equipe dizia que o paciente e sua irmã estavam muito “ansiosos”, o que justificava o atendimento psicológico para ambos.

Em conjunto, as residentes decidiram que uma delas iria atender o paciente, enquanto a outra atenderia sua irmã.

Roberto era portador de HIV e havia sido transferido do CTI de outro hospital, cujos recursos, no seu entender, seriam melhores do que aqueles disponíveis no HUPE. Dizia que lá se sentia mais seguro, porque apesar de não ter acompanhante, estava sendo monitorado por aparelhos durante todo o tempo, podendo ser socorrido prontamente pela Enfermagem, caso “acontecesse alguma coisa”. Falava: “estou usando sonda, não posso fazer xixi; como vou poder avisar, se o saquinho vazar? E se eu vomitar de madrugada? Ou se eu sentir alguma dor?”, expressando todos os seus medos, sendo que muitos deles eram medos reais, frente a emergências que poderiam efetivamente acontecer, conforme seu estado de saúde. No Isolamento, Roberto estava geograficamente bastante longe do posto de Enfermagem (conforme pudemos verificar), sendo que não havia sequer uma campainha disponível, caso precisasse chamar alguém.

O paciente pôde falar um pouco sobre como lidava com sua doença, afirmando que desde que recebeu o diagnóstico, não ficou deprimido nenhuma vez. Sentiu-se triste algumas vezes, mas nunca chegou a procurar ajuda psicológica, pois “não via necessidade”. Contou ainda sobre sua relação com a irmã, que só recentemente ficara sabendo de sua doença, uma vez que Roberto escondera de sua família, por um bom tempo, que havia adquirido o vírus da AIDS. Os dois tinham uma relação muito boa, de muita amizade e proteção mútua: por isto, segundo ele, ambos não podiam imaginar a hipótese de passar a noite longe um do outro. Roberto contou, ainda, da relação difícil que estava tendo com a equipe de Enfermagem. No seu entender, ninguém ali compreendia sua situação. Esta lhe trazia intenso sofrimento; já que segundo ele, a falta de compreensão era muito pior do que os sintomas que estava apresentando naquele momento.

No atendimento com a irmã de Roberto, ela nos disse que só aos poucos o irmão permitiu que ela o ajudasse, conquistando assim sua confiança. Emocionou-se ao contar que ele teria dito a ela que chegou a pensar em se matar, em desistir de tudo. Dizia estar muito preocupada com ele e tudo o que queria, naquele momento, era poder cuidar dele.

As residentes de Psicologia conversaram com a equipe de Enfermagem sobre o que poderia estar acontecendo, buscando pensar o caso numa perspectiva mais ampla, para além das regras da instituição. No entanto, a equipe foi pouco receptiva à nossa abordagem, afirmando que “nada poderia acontecer ao paciente, de madrugada, pois de hora em hora eles passavam a visita em todos os quartos, inclusive o do Isolamento”.

No retorno à sala do Plantão, expomos a situação para a equipe médica, fazendo-a perceber que havia certos limites da instituição como uma precariedade de recursos, o que exigiria talvez a flexibilização de algumas normas. O chefe de Plantão decidiu, então, permitir que a irmã de Roberto permanecesse na Enfermaria, do lado de fora, numa cadeira em frente ao quarto do irmão. Poderia, então, vê-lo através dos vidros do Isolamento.

Esta medida, além de tranqüilizar o paciente e seu familiar, mais tarde mostrou-se fundamental e indispensável. O paciente passou mal de madrugada, apresentando hipotensão e dispnéia, necessitando de socorro imediato. Foi justamente sua irmã que presenciou esta intercorrência, pedindo o socorro da Enfermagem.

Como vimos, também a Psicologia muitas vezes encontra-se confrontada com os limites de alcance de sua própria atuação. O trabalho que desenvolvemos, algumas vezes, vai só até onde é possível, uma vez que são vários os limites. Há limites para todos os saberes envolvidos na assistência e, como este caso demonstra, os limites institucionais também são inúmeros.

 

4. Considerações finais

No decorrer das trocas com a equipe, pudemos ouvir de alguns plantonistas como, a partir da parceria com a Psicologia, perceberam minimamente seus próprios limites, enquanto profissionais.

A atuação da equipe de Psicologia no Plantão Geral auxilia os seguintes três principais personagens: o médico, o paciente e os familiares, segundo nos apontou um residente de Medicina de Família3. Para ele, o psicólogo tem a facilidade de transitar em situações nas quais há maior dificuldade de contato, propiciando aos médicos relações mais próximas com os pacientes.

Outra residente de Medicina de Família4 assinalou a importância do psicólogo, quando alguma situação foge ao controle dos médicos. Como exemplo, citou certos momentos em que não sabem o que falar aos familiares, como na comunicação de um óbito. Mesmo percebendo que é de responsabilidade do médico estabelecer o diagnóstico médico e comunicar a morte de um paciente, a residente informa que muitas vezes há dificuldade em sustentar tais ações, já que a formação do médico é predominantemente biológica.

Gostaríamos de ressaltar que ainda que a escuta, voltada para os aspectos da subjetividade, seja o principal instrumento de trabalho do psicólogo, não se trata de uma atribuição exclusiva deste. A escuta deveria ser, também, um dos principais instrumentos do médico, tanto quanto o estetoscópio ou o termômetro, por exemplo. Sendo assim, há sem dúvida a necessidade de uma formação médica mais voltada para questões ligadas a uma dimensão humana, que não sejam apenas da ordem da racionalidade ou do conhecimento teórico. Afinal, a Medicina é uma disciplina cujos pressupostos são biológicos; porém, acima de tudo, sua aplicação é humana.

Como pudemos perceber, com o auxílio dos três exemplos apresentados, é primordial que cada sujeito seja atendido de maneira mais integrada, no que diz respeito às suas particularidades e idiossincrasias. Os aspectos de sua subjetividade não podem ser desconsiderados, conforme podemos confirmar a partir da bibliografia consultada e também com base em nossa experiência prática.

Finalizando, talvez possamos afirmar que nossa inserção no Plantão Geral é possível, justamente, a partir não apenas dos “furos” evidentes da formação médica, como também dos limites que se colocam não só para a Medicina, mas para todos os outros profissionais de saúde – inclusive para nós, psicólogos.

 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Legislação do SUS / Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília : CONASS, 2003, 604 p.

FERREIRA, Ademir Pacelli. A residência hospitalar: uma modalidade de especialização em psicologia clínico-institucional. In: Revista Práxis e Formação – As várias modalidades de intervenção do psicólogo, III Fórum da Residência em Psicologia Clínico-Institucional.  Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Psicologia, p. 9, 1998.

MARTINS, Milton de Arruda. Reflexões sobre a formação do médico. In: VOLICH, Rubens Marcelo; FERRAZ, Flávio Carvalho & ARANTES, Maria Auxiliadora de Almeida Cunha (orgs): Psicossoma II - Psicossomática Psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

MATTOS, Rubem Araújo. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ-ABRASCO, 2001, p.39-66.

MAYERHOFFER, Elisa Lima. O confronto com a finitude na clínica hospitalar: da morte como limite à urgência da vida. Monografia apresentada ao curso de Especialização em Psicologia Clínico-Institucional, Modalidade Residência Hospitalar (Instituto de Psicologia – UERJ). Rio de Janeiro, 2007, 50p.

MORAES, Danielle Ribeiro. Revisitando as concepções de integralidade. In: Revista de Atenção Primária à Saúde –  APS. Minas Gerais, 2006; vol.9, nº 1, p.1-16.

SANTOS, Cláudia Tavares dos Santos & SEBASTIANI, Ricardo Werner. Acompanhamento psicológico à pessoa portadora de doença crônica. In: ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto (org.): E a Psicologia entrou no Hospital. Pioneira Thomson Learning: São Paulo, 2003.

 

 

Notas

* Trabalho desenvolvido no setor Plantão Geral do Hospital Universitário Pedro Ernesto sob supervisão de Sonia Alberti e apresentado no XI Fórum de Residência em Psicologia Clínico-Institucional, em setembro de 2007.
** Psicóloga, Residente do 2º ano do Programa de Residência em Psicologia Clínico-Institucional do IP/HUPE/UERJ.
*** Psicóloga, Residente do 1º ano do Programa de Residência em Psicologia Clínico-Institucional do IP/HUPE/UERJ.
1 Os nomes citados no trabalho foram alterados para preservar o anonimato.
2 Veja mais sobre a questão da urgência subjetiva em MAYERHOFFER, Elisa Lima. O confronto com a finitude na clínica hospitalar: da morte como limite à urgência da vida. Monografia apresentada ao curso de Especialização em Psicologia Clínico-Institucional, Modalidade Residência Hospitalar (Instituto de Psicologia – UERJ). Rio de Janeiro, 2007, 50p.
3 Comunicação pessoal.
4 Comunicação pessoal.